Caldo de Caridade

Acabei de ler um post do blog Entre mãe e filha da Nina Sena, eu estava deitada e quase dormindo de tão cansada, quando de repente despertei e viajei no tempo ao  ler o post Ovo poche e minha avó.
A Nina é do Amazonas assim como eu, e eu gosto muito de ler seus posts, pois ela dá um toque familiar (no sentido de conhecido) em tudo o que escreve, mesmo quando fala de sua impressão a respeito de uma cidade que visitou, quando fala sobre a cultura e costumes de países europeus, quando fala de decoração ou educação de filhos, ou ainda culinária, quando fala de Deus.
O caldo de caridade é uma sopinha fina e rala, feita basicamente com farinha de mandioca ou farinha de macaxeira, sal, alho, pimenta preta, os outros ingredientes são acrescentado a gosto ou quando se tem.
A Nina descreveu com perfeição o propósito e utilidade deste caldo, e eu nem vou tentar descrever com minhas palavras, mas pedir licença para expor aqui um trecho do post desta gentil pessoa: 

E quando nao tinha comida, vovó fazia o caldo da caridade. Ela deveria pensar que todo necessitado era meio que doente da alma e esse caldinho, feito com farinha de mandioca fina e ervas, levantava mesmo qualquer defunto. Fosse de corpo ou de alma. Nina Sena
E o que o caldo de caridade tem haver com este blog? Vou explicar:

Minha família era muito pobre, muitos filhos e somente meu pai trabalhava fora, e ele não ganhava muito. E houve períodos que eram piores, quando meu pai tinha crises de úcera intestinal e nao conseguia sair de casa para trabalhar, como ele trabalhava por conta própria, se nao trabalhava nao ganhava, e nao se tinha dinheiro guardado para esses períodos difíceis. Era nos anos 80, época de inflacao monetária no Brasil. A gente tinha a casa para morar de graça e o quintal para plantar frutas e legumes (mas as vezes os vizinhos nos furtavam) e algumas doações de amigos que moravam na área rural e nos presenteavam com peixe, frutas e farinha.
E quando já nao se tinha nada vezes nada para cozinhar a minha mae fazia caldo de caridade para o almoço ou jantar. Sabe que eu lembro que eu gostava! era quente, salgado e dava a melhor das sensações: a de estar alimentada, cortava a fome, assim eu conseguia dormir quando era servido no jantar.
A variação chic do caldo de caridade é quando se coloca ovos dentro do caldo ainda ferendo, chamada de Cabeça de Galo, e esta versão era a mais animadora para todos nós, pois haveria algo mais que caldo! E claro quando minha mãe tinha ovos ela colocava no máximo 1 ovo para cada 3 ou 2 membros da família; eu já ficava muito feliz quando vinha um pedacinho da clara do ovo no meu prato, a gema ia sempre para o pai ou os irmão mais velhos.
Hoje, com a Graça de Deus, tenho uma condição financeira de vida muito boa, proporcionada primeiramente por meus estudos e trabalho (quanto tive) e ainda meu esposo. Entretanto, se for contar os anos, eu vivo mais tempo em uma vida de luxo e conforto do que em uma vida de dificuldades e privações, as quais foram somente na infancia até os 21 anos. Porém, nem mesmo tanto tempo vivendo no conforto, apagou em mim a infància pobre, e alguma alegria que eu senti naquela época.

O caldo de caridade era feito também para quem estivesse doente, seja de febre, gripe, dor de dente, barriga, coluna, ..., qual doença, inclusive da alma, assim como a Nina cita.
No período em que eu estava sendo abusada sexualmente por meus familiares (pai e irmão) eu sentia medo, depressão, tristeza sem fim e sem explicação, eu era muito criança, eu não sabia como denunciar o que estava acontecendo comigo, e com a manifestação dos sintomas da depressão e sindrome do panico minha mãe achava que eu era doente mental e ela me dava caldo de caridade para me curar. Santa ignorancia, coitada dela, já nem sei se sinto raiva ou pena.
O certo é que no auge da depressão eu sentia um certo conforto ao tomar o caldo da caridade, era um cuidado que minha mãe estava tendo comigo, era caridade.

Foi somente o caldo de caridade que eu tomei quando eu estava em crises de sindrome de panico e depressão quando eu era criança. O caldo me alimentava, aquecia minha barriga, meu coração, me dava animo para olhar para frente, acreditar que teria um novo dia, um dia melhor. E hoje estou aqui, pois eu segui com ajuda da caridade.

Comentários

  1. é mesmo Flor.. caridade..carinho.. tudo que demostra isso vindo de alguém conforta a gente ^^ <3<3

    ResponderExcluir
  2. Oi Maria,

    A minha mãe também fazia o caldo de caridade, ás vezes não tínhamos nada para comer então ela fazia. De vez em quando peço ela para fazer. Ás vezes sinto saudades

    Um abraço!

    Alice

    ResponderExcluir

Postar um comentário